{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2024/12/27/guerra-civil-no-sudao-alimenta-a-maior-crise-humanitaria-do-mundo-e-o-pior-ainda-esta-por-" }, "headline": "Guerra civil no Sud\u00e3o alimenta a maior crise humanit\u00e1ria do mundo - e o pior ainda est\u00e1 por vir", "description": "Ap\u00f3s 20 meses de guerra civil, o Sud\u00e3o est\u00e1 a sofrer a pior crise humanit\u00e1ria do mundo. 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Sem uma vit\u00f3ria militar decisiva no horizonte, os especialistas dizem que o Sud\u00e3o, cuja guerra \u00e9 frequentemente ignorada, vai assistir a um ainda maior n\u00famero de deslocados, mais fome e mais surtos de doen\u00e7as em 2025, agravando aquela que \u00e9 j\u00e1 a pior crise humanit\u00e1ria do mundo.\u0022As coisas parecem destinadas a piorar muito para os civis no novo ano\u0022, afirmou Kholood Khair, um analista pol\u00edtico sudan\u00eas que dirige o grupo de reflex\u00e3o Confluence Advisory.A 15 de abril do ano ado, eclodiram na capital Cartum combates intensos entre as For\u00e7as Armadas Sudanesas (SAF) e as For\u00e7as de Apoio R\u00e1pido (RSF), uma mil\u00edcia.O l\u00edder das SAF, o general Abdel Fattah al-Burhan, e o comandante das RSF, Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido por Hemedti, foram outrora aliados.Em outubro de 2021, tomaram o poder num golpe conjunto, acabando com as esperan\u00e7as sudanesas de um governo liderado por civis, v\u00e1rios anos depois de uma revolu\u00e7\u00e3o pac\u00edfica ter derrubado o ditador Omar al-Bashir. Baseada em alicerces inst\u00e1veis, a alian\u00e7a dos generais depressa se desfez devido ao choque de ambi\u00e7\u00f5es entre os dois homens e as suas for\u00e7as.No conflito que se seguiu, ambas as partes foram acusadas de crimes de guerra e de utiliza\u00e7\u00e3o da ajuda humanit\u00e1ria como arma.\u0022N\u00e3o existe aqui a rela\u00e7\u00e3o bin\u00e1ria simples entre o bom da fita e o mau da fita que a aten\u00e7\u00e3o medi\u00e1tica e a aten\u00e7\u00e3o do p\u00fablico habitualmente procuram para compreender este tipo de situa\u00e7\u00f5es\u0022, afirmou Michael Jones, investigador do Royal United Services Institute (RUSI), um grupo de reflex\u00e3o sobre defesa e seguran\u00e7a.\u201cA inten\u00e7\u00e3o e a escala das atrocidades cometidas pelas RSF s\u00e3o qualitativamente diferentes\u201d, observou, citando relatos de que a mil\u00edcia est\u00e1 a visar popula\u00e7\u00f5es espec\u00edficas. \u201cAs SAF foram acusadas de bombardear indiscriminadamente as zonas controladas pelas RSF e de colocar os civis em risco. Ambos constituem crimes, mas s\u00e3o diferentes na sua natureza, inten\u00e7\u00e3o e escala e t\u00eam uma l\u00f3gica subjacente diferente.\u201dA Human Rights Watch (HRW) afirmou, no in\u00edcio deste ano, que as RSF poderiam ser culpadas de limpeza \u00e9tnica nas suas campanhas contra grupos \u00e9tnicos n\u00e3o \u00e1rabes em zonas da regi\u00e3o do Darfur, tal como as mil\u00edcias janjaweed - a partir das quais as RSF se formaram - fizeram h\u00e1 duas d\u00e9cadas. As for\u00e7as de Hemedti e os seus aliados tamb\u00e9m violaram raparigas e mulheres jovens e mantiveram-nas como escravas sexuais, de acordo com testemunhos em primeira m\u00e3o publicados pela HRW este m\u00eas.Entretanto, as SAF t\u00eam colocado em risco a vida de civis ao efetuarem ataques bombistas indiscriminados em territ\u00f3rio controlado pelas RSF. No in\u00edcio deste m\u00eas, um ataque a\u00e9reo das SAF atingiu um mercado movimentado em Kabkabiya, no Darfur do Norte, matando dezenas de n\u00e3o-combatentes num ataque que a Amnistia Internacional considerou um \u0022flagrante crime de guerra\u0022.Sem fim \u00e0 vistaOs analistas alertam para o facto de o fim dos combates parecer uma perspetiva long\u00ednqua, especialmente depois da corrida ao armamento entre as SAF e as RSF, este ver\u00e3o.\u0022Existe armamento mais sofisticado em todo o lado. O resultado final \u00e9 que os civis correm maiores riscos de serem mortos\u0022, considerou Khair, da Confluence Advisory.\u0022O Sud\u00e3o est\u00e1 cheio de armas ligeiras. Um amigo meu, que foi recentemente ao norte do pa\u00eds para fazer alguma investiga\u00e7\u00e3o, disse-me que uma AK-47 custa menos do que uma semana de compras\u0022, acrescentou.O analista pol\u00edtico considera que a guerra civil sudanesa deve ser vista como \u0022uma guerra contra os civis\u0022, em que tanto as SAF como as RSF s\u00e3o culpadas de prejudicar a popula\u00e7\u00e3o sudanesa e de n\u00e3o abrir corretamente os corredores humanit\u00e1rios.Jones, do RUSI, referiu que as perspetivas de paz s\u00e3o escassas a curto prazo, especialmente devido \u00e0 natureza internacionalizada da guerra.\u0022O envolvimento de intervenientes externos e a quantidade de muni\u00e7\u00f5es, ve\u00edculos e combust\u00edvel estrangeiros - fornecimentos que est\u00e3o a ser despejados no conflito - parecem estar a aumentar. E isso \u00e9 preocupante porque, em \u00faltima an\u00e1lise, \u00e9 essa a din\u00e2mica que permite e sustenta os combates\u0022, afirmou.Relat\u00f3rios cred\u00edveis citados pela ONU sugerem que os Emirados \u00c1rabes Unidos s\u00e3o o principal apoiante internacional das RSF, embora Abu Dhabi negue o seu envolvimento. N\u00e3o obstante, beneficia de ambas as partes beligerantes quando se trata da lucrativa ind\u00fastria do ouro do Sud\u00e3o, que \u00e9 um dos principais motores econ\u00f3micos do conflito, disse Khair. Por outro lado, as autoridades ocidentais confirmaram que o Ir\u00e3o forneceu \u00e0s SAF drones de combate Mohajer-6. Esta tecnologia ajudou o al-Burhan a conquistar territ\u00f3rio, embora n\u00e3o tenha, at\u00e9 \u00e0 data, alterado drasticamente o panorama nacional no campo de batalha.\u201cDurante o ano de 2024, assistimos a algumas mudan\u00e7as. Vimos contraofensivas espor\u00e1dicas lan\u00e7adas pelas SAF que tendiam a esgotar-se muito rapidamente\u201d, observou Jones. H\u00e1 meses que as RSF t\u00eam cercado ferozmente El Fasher, a capital do Darfur do Norte, o \u00fanico ponto de apoio das SAF no Estado. Noutros locais, as mil\u00edcias continuam a dominar Cartum, mas as SAF retomaram o eixo de Jebel Moya, a sul da capital, o que lhes permite lan\u00e7ar investidas no estado de Gezira, o cora\u00e7\u00e3o agr\u00edcola do Sud\u00e3o.Apesar da aus\u00eancia de avan\u00e7os militares, os dois lados pensam que podem tirar partido da situa\u00e7\u00e3o, afimrou Khair \u00e0 Euronews. Em todo o caso, a inimizade entre as duas partes n\u00e3o permite negocia\u00e7\u00f5es s\u00e9rias de cessar-fogo.Os beligerantes t\u00eam algo em comum, que \u00e9 o facto de nenhum deles querer ver um Sud\u00e3o democr\u00e1tico, lembrou o especialista. \u0022Manter a guerra em curso permite-lhes protegerem-se para poderem virar as coisas a seu favor e enfraquecer o que resta da revolu\u00e7\u00e3o, aquilo que a revolu\u00e7\u00e3o exige. Ou seja, o fim de um Sud\u00e3o militarizado, tanto quanto poss\u00edvel.\u0022Jones concorda que n\u00e3o \u00e9 do interesse, nem das SAF, nem das RSF, parar de lutar. \u0022As partes beligerantes internas n\u00e3o t\u00eam o incentivo ou a necessidade de se sentar \u00e0 mesa das negocia\u00e7\u00f5es de uma forma efetiva\u0022, frisou, acrescentando: \u0022N\u00e3o creio que haja um caminho imediatamente \u00f3bvio para a paz.\u0022Sem sinais de abrandamento da guerra, o pa\u00eds est\u00e1 prestes a fragmentar-se cada vez mais.O Sud\u00e3o poder\u00e1 dividir-se n\u00e3o s\u00f3 em \u00e1reas das SAF e das RSF, mas tamb\u00e9m ao longo de outras linhas, se os l\u00edderes da guerra e as mil\u00edcias locais que atualmente apoiam os principais lados decidirem conquistar territ\u00f3rio para si pr\u00f3prios. \u201c\u00c9 prov\u00e1vel que assistamos a uma fragmenta\u00e7\u00e3o e balcaniza\u00e7\u00e3o do Sud\u00e3o\u201d, disse ainda o especialista.Tendo como refer\u00eancia os conflitos sudaneses do ado, Khair acredita que a guerra poder\u00e1 durar mais 20 anos. A n\u00e3o ser que a vontade pol\u00edtica mude e que sejam introduzidos e aplicados embargos mais rigorosos \u00e0s armas e san\u00e7\u00f5es ao com\u00e9rcio de ouro.Agravamento da crise humanit\u00e1riaNa situa\u00e7\u00e3o atual, a escala da crise humanit\u00e1ria \u00e9 j\u00e1 impressionante. Nos primeiros 20 meses de guerra, mais de 9 milh\u00f5es de sudaneses foram deslocados internamente, enquanto outros 3 milh\u00f5es fugiram para pa\u00edses vizinhos como o Chade.O Sud\u00e3o est\u00e1, de facto, a viver a maior crise humanit\u00e1ria alguma vez registada no mundo, com 30,4 milh\u00f5es de pessoas a necessitar de assist\u00eancia, de acordo com o Panorama Humanit\u00e1rio Global 2025 da ONU. Para colocar os n\u00fameros em perspetiva a n\u00edvel global, o Sud\u00e3o alberga menos de 1% da popula\u00e7\u00e3o mundial, mas tem 10% das pessoas em situa\u00e7\u00e3o de car\u00eancia de todo o mundo.A fome e a doen\u00e7a assolam o pa\u00eds. Mais de 24 milh\u00f5es de sudaneses s\u00e3o considerados como estando em situa\u00e7\u00e3o de inseguran\u00e7a alimentar aguda e a fome, que foi oficialmente declarada em agosto no campo de Zamzam, no Darfur, corre o risco de se generalizar, segundo a ONU.O pa\u00eds est\u00e1 a bra\u00e7os com um grande surto de c\u00f3lera, algo que se tornou ainda mais dif\u00edcil porque mais de 70% dos hospitais e instala\u00e7\u00f5es m\u00e9dicas do Sud\u00e3o foram encerrados pela guerra.Apesar destes problemas, o Sud\u00e3o tem vindo a lutar para obter financiamento humanit\u00e1rio suficiente por parte da comunidade internacional. Este ano, o ACNUR, a ag\u00eancia das Na\u00e7\u00f5es Unidas para os refugiados, tentou angariar 1,03 mil milh\u00f5es de d\u00f3lares (mil milh\u00f5es de euros) para o Sud\u00e3o. Contudo, at\u00e9 ao final de outubro, s\u00f3 tinha obtido 40% desse montante.No entanto, a 19 de setembro, o secret\u00e1rio de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que a istra\u00e7\u00e3o Biden ia doar mais 200 milh\u00f5es de d\u00f3lares (192,4 milh\u00f5es de euros) para alimentos, abrigo e cuidados de sa\u00fade no Sud\u00e3o.\u0022Atualmente, o Sud\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 tem a pior crise de deslocados do mundo, como tamb\u00e9m regista a pior crise de fome do mundo\u0022, afirmou Anne-Marie Schryer-Roy, coordenadora regional do Comit\u00e9 Internacional de Resgate (IRC) para a \u00c1frica Oriental. \u0022H\u00e1 pessoas que morrem \u00e0 fome todos os dias.\u0022Refletindo sobre uma recente viagem ao territ\u00f3rio controlado pelas SAF no Sud\u00e3o, Schryer-Roy descreveu ter visto evid\u00eancias de deslocados onde quer que tenha ido.As pessoas dormem \u00e0 beira da estrada e \u00e0 porta das mesquitas, enquanto outras vivem em campos para pessoas deslocadas internamente. O inverno come\u00e7ou e os deslocados n\u00e3o t\u00eam os necess\u00e1rios agasalhos e cobertores, revelou ainda a especialista.\u0022Conheci uma mulher, a Huda, que teve de mudar-se duas vezes por causa do conflito e que teve de fugir apenas com a roupa que tinha no corpo e com os tr\u00eas filhos\u0022, recordou a representante do IRC. Huda falou ainda com Schryer-Roy sobre o seu desespero, mas tamb\u00e9m sobre as esperan\u00e7as de paz que mant\u00e9m.\u0022\u00c9 o que as pessoas mais pedem neste momento: o fim dos combates, para poderem retomar as suas vidas e ter meios de subsist\u00eancia\u0022, contou a coordenadora.Os grupos de ajuda humanit\u00e1ria est\u00e3o a instar tanto as SAF, como as RSF para permitirem o o sem restri\u00e7\u00f5es a este apoio, para que as pessoas mais vulner\u00e1veis possam receb\u00ea-lo. Embora se tenham registado pequenas melhorias nos \u00faltimos meses, a situa\u00e7\u00e3o continua a ser dif\u00edcil. Enquanto as organiza\u00e7\u00f5es internacionais se debatem com dificuldades de o, redes locais como as Salas de Resposta de Emerg\u00eancia (ERR), nomeadas para o Pr\u00e9mio Nobel da Paz deste ano, est\u00e3o a trabalhar para alimentar milh\u00f5es de pessoas atrav\u00e9s de cozinhas comunit\u00e1rias e a retirar milhares de pessoas de \u00e1reas duramente atingidas pelos combates.Visados por ambos os lados do conflito, alguns volunt\u00e1rios das ERR foram detidos e mortos. No in\u00edcio de fevereiro, esta entidade afirmou que mais de 20 dos seus volunt\u00e1rios tinham sido assassinados, enquanto dezenas de outros tinham sido detidos.Contagem dos mortosN\u00e3o h\u00e1 forma de saber ao certo quantos sudaneses foram mortos at\u00e9 agora pela guerra civil, quer em resultado de viol\u00eancia direta, quer por falta de tratamento m\u00e9dico. As estimativas oficiais apontam para dezenas de milhares de v\u00edtimas mortais, mas o enviado especial dos EUA para o Sud\u00e3o, Tom Perriello, afirmou que o n\u00famero pode ascender a 150.000.Um novo estudo do Sudan Research Group, uma colabora\u00e7\u00e3o entre funcion\u00e1rios humanit\u00e1rios e acad\u00e9micos de sa\u00fade p\u00fablica da London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM), calculou que 61.000 pessoas tinham morrido s\u00f3 na prov\u00edncia de Cartum nos primeiros 14 meses da guerra.Este n\u00famero representa um aumento de 50% em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s taxas registadas antes da guerra. Deste total, 26.000 foram mortas por viol\u00eancia direta, segundo o estudo.Os investigadores utilizaram uma t\u00e9cnica chamada \u0022an\u00e1lise de captura-recaptura\u0022 para chegar a esta estimativa. Este m\u00e9todo compara dados de v\u00e1rias fontes. Neste caso, os investigadores utilizaram tr\u00eas listas elaboradas a partir das redes sociais e de inqu\u00e9ritos privados e p\u00fablicos.\u0022Foi um trabalho muito dif\u00edcil porque uma das carater\u00edsticas da guerra - e de muitas guerras - \u00e9 que o impacto \u00e9 suposto ser silencioso\u0022, explicou Maysoon Dahab, o principal autor do estudo.\u0022No Sud\u00e3o, antes da maior parte dos grandes ataques, a tend\u00eancia \u00e9 a seguinte: a Internet e a eletricidade s\u00e3o cortadas. H\u00e1 um verdadeiro esfor\u00e7o para tentar dificultar a divulga\u00e7\u00e3o do que est\u00e1 a acontecer.\u0022As visitas ao terreno eram demasiado perigosas, pelo que tudo teve de ser feito \u00e0 dist\u00e2ncia, tanto no interior, como no exterior do Sud\u00e3o.Dahab, um epidemiologista da LSHTM, destacou que os resultados referentes \u00e0 prov\u00edncia de Cartum mostravam at\u00e9 que ponto a guerra tem sido devastadora para os civis. E isto sem contar com as estimativas das regi\u00f5es mais afetadas, incluindo Darfur e Kordofan.\u0022Pensamos que Cartum - por muito m\u00e1 que seja - \u00e9 provavelmente muito melhor do que outros lugares\u0022, disse ainda o investigador.\u0022Todas as vidas sudanesas s\u00e3o importantes\u0022Aljaili Ahmed, um dos colegas de Dahab no inqu\u00e9rito da LSHTM, explicou que o seu trabalho mostra ao mundo a gravidade da situa\u00e7\u00e3o no Sud\u00e3o.\u0022O que tent\u00e1mos fazer foi documentar o que est\u00e1 a acontecer. Assim, as pessoas n\u00e3o t\u00eam forma de dizer: 'N\u00e3o sab\u00edamos que era assim t\u00e3o mau'. Voc\u00eas sabiam. N\u00f3s demo-vos a informa\u00e7\u00e3o.\u0022Falando como cidad\u00e3o sudan\u00eas, Ahmed, que agora vive no estrangeiro, tamb\u00e9m refletiu sobre as esperan\u00e7as do seu povo relativamente a um governo civil ap\u00f3s a destitui\u00e7\u00e3o de al-Bashir em 2019.\u0022T\u00ednhamos muita esperan\u00e7a depois da revolu\u00e7\u00e3o. Pens\u00e1mos que as coisas iam mudar para melhor\u0022, referiu, notando ainda: \u0022Quer\u00edamos reconstruir um Sud\u00e3o justo, pac\u00edfico e diversificado. E, de repente, porque ambas as partes [as RSF e as SAF] queriam tomar o poder, a guerra come\u00e7ou.\u0022Embora n\u00e3o veja a paz a chegar em breve, Ahmed disse que os civis t\u00eam de ser envolvidos nas negocia\u00e7\u00f5es mais tarde. \u0022N\u00e3o deviam ser os ex\u00e9rcitos a negociar uns com os outros. Porque a linguagem que usam e as solu\u00e7\u00f5es que t\u00eam s\u00f3 v\u00e3o repetir esta situa\u00e7\u00e3o atual vezes sem conta.\u0022Omamah Abbas, que trabalhou no estudo da LSHTM a partir de Cartum antes de fugir do Sud\u00e3o no in\u00edcio deste ano, viu a morte e a destrui\u00e7\u00e3o em primeira m\u00e3o.\u0022Do meu quarto em Cartum, assisti a enterros quase todos os dias atrav\u00e9s da minha janela. Eram de pessoas que foram mortas por proj\u00e9teis ou balas perdidas\u0022, contou.\u0022Enquanto ouvia tiros e disparos, ficava no meu port\u00e1til a apontar os nomes dos mortos. Tamb\u00e9m me perguntava se um dia faria parte dessa lista. Sempre que registava uma morte, pensava: 'Como \u00e9 que eu vou morrer? Ser\u00e1 de um proj\u00e9til, de uma bala perdida ou de outra coisa qualquer?'\u0022.Era dif\u00edcil para Abbas conseguir um sinal suficientemente forte. Tinha de subir ao telhado do seu pr\u00e9dio e esperar o tempo necess\u00e1rio para enviar os resultados. Dada a guerra que se desenrolava l\u00e1 fora, isso implicava um risco, mas Abbas sentiu-se motivada por todas as pessoas que tinham morrido - por todos aqueles que, como ela diz, em tempos \u0022tinham sonhos, esperan\u00e7as e planos para o futuro\u0022.\u0022Cada vida sudanesa \u00e9 importante. Quer\u00edamos mostrar ao mundo o efeito desta guerra terr\u00edvel para n\u00f3s. Queremos recordar todas as vidas perdidas.\u0022", "dateCreated": "2024-12-23T10:52:49+01:00", "dateModified": "2024-12-27T13:14:41+01:00", "datePublished": "2024-12-27T13:14:41+01:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F08%2F92%2F81%2F32%2F1440x810_cmsv2_b8408725-caee-57e2-a719-9879cda6ef11-8928132.jpg", "width": 1440, "height": 810, "caption": "O fumo ergue-se sobre Cartum, Sud\u00e3o, a 8 de junho de 2023. 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Guerra civil no Sudão alimenta a maior crise humanitária do mundo - e o pior ainda está por vir

O fumo ergue-se sobre Cartum, Sudão, a 8 de junho de 2023.
O fumo ergue-se sobre Cartum, Sudão, a 8 de junho de 2023. Direitos de autor AP
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De Rory Sullivan
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Após 20 meses de guerra civil, o Sudão está a sofrer a pior crise humanitária do mundo. Segundo os especialistas, a situação vai agravar-se para a população civil.

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A guerra civil no Sudão desencadeou violência, morte, fome e doenças a uma escala quase inimaginável: dezenas de milhares de pessoas foram mortas, 12 milhões ficaram deslocadas e, com o país à beira da fome, mais de metade dos seus 48 milhões de cidadãos sofrem de insegurança alimentar aguda.

No entanto, é provável que o número de vítimas do conflito se agrave ainda mais nos próximos meses, disseram à Euronews analistas políticos e trabalhadores humanitários.

Sem uma vitória militar decisiva no horizonte, os especialistas dizem que o Sudão, cuja guerra é frequentemente ignorada, vai assistir a um ainda maior número de deslocados, mais fome e mais surtos de doenças em 2025, agravando aquela que é já a pior crise humanitária do mundo.

"As coisas parecem destinadas a piorar muito para os civis no novo ano", afirmou Kholood Khair, um analista político sudanês que dirige o grupo de reflexão Confluence Advisory.

A 15 de abril do ano ado, eclodiram na capital Cartum combates intensos entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF), uma milícia.

O líder das SAF, o general Abdel Fattah al-Burhan, e o comandante das RSF, Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido por Hemedti, foram outrora aliados.

Em outubro de 2021, tomaram o poder num golpe conjunto, acabando com as esperanças sudanesas de um governo liderado por civis, vários anos depois de uma revolução pacífica ter derrubado o ditador Omar al-Bashir. Baseada em alicerces instáveis, a aliança dos generais depressa se desfez devido ao choque de ambições entre os dois homens e as suas forças.

O líder das RSF, Mohamed Hamdan Dagalo (Hemedti), em Galawee, no norte do Sudão, a 15 de junho de 2019.
O líder das RSF, Mohamed Hamdan Dagalo (Hemedti), em Galawee, no norte do Sudão, a 15 de junho de 2019.STR/AP

No conflito que se seguiu, ambas as partes foram acusadas de crimes de guerra e de utilização da ajuda humanitária como arma.

"Não existe aqui a relação binária simples entre o bom da fita e o mau da fita que a atenção mediática e a atenção do público habitualmente procuram para compreender este tipo de situações", afirmou Michael Jones, investigador do Royal United Services Institute (RUSI), um grupo de reflexão sobre defesa e segurança.

“A intenção e a escala das atrocidades cometidas pelas RSF são qualitativamente diferentes”, observou, citando relatos de que a milícia está a visar populações específicas. “As SAF foram acusadas de bombardear indiscriminadamente as zonas controladas pelas RSF e de colocar os civis em risco. Ambos constituem crimes, mas são diferentes na sua natureza, intenção e escala e têm uma lógica subjacente diferente.”

A Human Rights Watch (HRW) afirmou, no início deste ano, que as RSF poderiam ser culpadas de limpeza étnica nas suas campanhas contra grupos étnicos não árabes em zonas da região do Darfur, tal como as milícias janjaweed - a partir das quais as RSF se formaram - fizeram há duas décadas. As forças de Hemedti e os seus aliados também violaram raparigas e mulheres jovens e mantiveram-nas como escravas sexuais, de acordo com testemunhos em primeira mão publicados pela HRW este mês.

Entretanto, as SAF têm colocado em risco a vida de civis ao efetuarem ataques bombistas indiscriminados em território controlado pelas RSF. No início deste mês, um ataque aéreo das SAF atingiu um mercado movimentado em Kabkabiya, no Darfur do Norte, matando dezenas de não-combatentes num ataque que a Amnistia Internacionalconsiderouum "flagrante crime de guerra".

Sem fim à vista

Os analistas alertam para o facto de o fim dos combates parecer uma perspetiva longínqua, especialmente depois da corrida ao armamento entre as SAF e as RSF, este verão.

"Existe armamento mais sofisticado em todo o lado. O resultado final é que os civis correm maiores riscos de serem mortos", considerou Khair, da Confluence Advisory.

"O Sudão está cheio de armas ligeiras. Um amigo meu, que foi recentemente ao norte do país para fazer alguma investigação, disse-me que uma AK-47 custa menos do que uma semana de compras", acrescentou.

O analista político considera que a guerra civil sudanesa deve ser vista como "uma guerra contra os civis", em que tanto as SAF como as RSF são culpadas de prejudicar a população sudanesa e de não abrir corretamente os corredores humanitários.

"Não existe aqui a relação binária simples entre o bom da fita e o mau da fita que a atenção mediática e a atenção do público habitualmente procuram para compreender este tipo de situações."
Michael Jones

Jones, do RUSI, referiu que as perspetivas de paz são escassas a curto prazo, especialmente devido à natureza internacionalizada da guerra.

"O envolvimento de intervenientes externos e a quantidade de munições, veículos e combustível estrangeiros - fornecimentos que estão a ser despejados no conflito - parecem estar a aumentar. E isso é preocupante porque, em última análise, é essa a dinâmica que permite e sustenta os combates", afirmou.

Relatórios credíveiscitados pela ONU sugerem que os Emirados Árabes Unidos são o principal apoiante internacional das RSF, embora Abu Dhabi negue o seu envolvimento. Não obstante, beneficia de ambas as partes beligerantes quando se trata da lucrativa indústria do ouro do Sudão, que é um dos principais motores económicos do conflito, disse Khair.

"Existe armamento é mais sofisticado em todo o lado. O resultado líquido é que os civis correm maiores riscos de serem mortos."
Kholood Khair

Por outro lado, as autoridades ocidentais confirmaram que o Irão forneceu às SAF drones de combate Mohajer-6. Esta tecnologia ajudou o al-Burhan a conquistar território, embora não tenha, até à data, alterado drasticamente o panorama nacional no campo de batalha.

“Durante o ano de 2024, assistimos a algumas mudanças. Vimos contraofensivas esporádicas lançadas pelas SAF que tendiam a esgotar-se muito rapidamente”, observou Jones.

Há meses que as RSF têm cercado ferozmente El Fasher, a capital do Darfur do Norte, o único ponto de apoio das SAF no Estado. Noutros locais, as milícias continuam a dominar Cartum, mas as SAF retomaram o eixo de Jebel Moya, a sul da capital, o que lhes permite lançar investidas no estado de Gezira, o coração agrícola do Sudão.

Soldados das RSF na província do Nilo Oriental, Sudão, a 22 de julho de 2022.
Soldados das RSF na província do Nilo Oriental, Sudão, a 22 de julho de 2022. Hussein Malla/AP

Apesar da ausência de avanços militares, os dois lados pensam que podem tirar partido da situação, afimrou Khair à Euronews. Em todo o caso, a inimizade entre as duas partes não permite negociações sérias de cessar-fogo.

Os beligerantes têm algo em comum, que é o facto de nenhum deles querer ver um Sudão democrático, lembrou o especialista. "Manter a guerra em curso permite-lhes protegerem-se para poderem virar as coisas a seu favor e enfraquecer o que resta da revolução, aquilo que a revolução exige. Ou seja, o fim de um Sudão militarizado, tanto quanto possível."

Jones concorda que não é do interesse, nem das SAF, nem das RSF, parar de lutar. "As partes beligerantes internas não têm o incentivo ou a necessidade de se sentar à mesa das negociações de uma forma efetiva", frisou, acrescentando: "Não creio que haja um caminho imediatamente óbvio para a paz."

Sem sinais de abrandamento da guerra, o país está prestes a fragmentar-se cada vez mais.

O Sudão poderá dividir-se não só em áreas das SAF e das RSF, mas também ao longo de outras linhas, se os líderes da guerra e as milícias locais que atualmente apoiam os principais lados decidirem conquistar território para si próprios. “É provável que assistamos a uma fragmentação e balcanização do Sudão”, disse ainda o especialista.

Tendo como referência os conflitos sudaneses do ado, Khair acredita que a guerra poderá durar mais 20 anos. A não ser que a vontade política mude e que sejam introduzidos e aplicados embargos mais rigorosos às armas e sanções ao comércio de ouro.

Agravamento da crise humanitária

Na situação atual, a escala da crise humanitária é já impressionante. Nos primeiros 20 meses de guerra, mais de 9 milhões de sudaneses foram deslocados internamente, enquanto outros 3 milhões fugiram para países vizinhos como o Chade.

O Sudão está, de facto, a viver a maior crise humanitária alguma vez registada no mundo, com 30,4 milhões de pessoas a necessitar de assistência, de acordo com o Panorama Humanitário Global 2025 da ONU. Para colocar os números em perspetiva a nível global, o Sudão alberga menos de 1% da população mundial, mas tem 10% das pessoas em situação de carência de todo o mundo.

Pessoas embarcam num camião à saída de Cartum, no Sudão, a 19 de junho de 2023.
Pessoas embarcam num camião à saída de Cartum, no Sudão, a 19 de junho de 2023. AP

A fome e a doença assolam o país. Mais de 24 milhões de sudaneses são considerados como estando em situação de insegurança alimentar aguda e a fome, que foi oficialmente declarada em agosto no campo de Zamzam, no Darfur, corre o risco de se generalizar, segundo a ONU.

O país está a braços com um grande surto de cólera, algo que se tornou ainda mais difícil porque mais de 70% dos hospitais e instalações médicas do Sudão foram encerrados pela guerra.

Apesar destes problemas, o Sudão tem vindo a lutar para obter financiamento humanitário suficiente por parte da comunidade internacional. Este ano, o ACNUR, a agência das Nações Unidas para os refugiados, tentou angariar 1,03 mil milhões de dólares (mil milhões de euros) para o Sudão. Contudo, até ao final de outubro, só tinha obtido [40% desse montante](https://reporting.unhcr.org/operational/situations/sudan-situation. US Sec).

No entanto, a 19 de setembro, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que a istração Biden ia doar mais 200 milhões de dólares (192,4 milhões de euros) para alimentos, abrigo e cuidados de saúde no Sudão.

"Atualmente, o Sudão não só tem a pior crise de deslocados do mundo, como também regista a pior crise de fome do mundo", afirmou Anne-Marie Schryer-Roy, coordenadora regional do Comité Internacional de Resgate (IRC) para a África Oriental. "Há pessoas que morrem à fome todos os dias."

Refletindo sobre uma recente viagem ao território controlado pelas SAF no Sudão, Schryer-Roy descreveu ter visto evidências de deslocados onde quer que tenha ido.

As pessoas dormem à beira da estrada e à porta das mesquitas, enquanto outras vivem em campos para pessoas deslocadas internamente. O inverno começou e os deslocados não têm os necessários agasalhos e cobertores, revelou ainda a especialista.

"Conheci uma mulher, a Huda, que teve de mudar-se duas vezes por causa do conflito e que teve de fugir apenas com a roupa que tinha no corpo e com os três filhos", recordou a representante do IRC. Huda falou ainda com Schryer-Roy sobre o seu desespero, mas também sobre as esperanças de paz que mantém.

"É o que as pessoas mais pedem neste momento: o fim dos combates, para poderem retomar as suas vidas e ter meios de subsistência", contou a coordenadora.

Os grupos de ajuda humanitária estão a instar tanto as SAF, como as RSF para permitirem o o sem restrições a este apoio, para que as pessoas mais vulneráveis possam recebê-lo. Embora se tenham registado pequenas melhorias nos últimos meses, a situação continua a ser difícil.

“Atualmente, o Sudão não só tem a pior crise de deslocados do mundo, como também regista a pior crise de fome do mundo."
Anne-Marie Schryer-Roy

Enquanto as organizações internacionais se debatem com dificuldades de o, redes locais como as Salas de Resposta de Emergência (ERR), nomeadas para o Prémio Nobel da Paz deste ano, estão a trabalhar para alimentar milhões de pessoas através de cozinhas comunitárias e a retirar milhares de pessoas de áreas duramente atingidas pelos combates.

Visados por ambos os lados do conflito, alguns voluntários das ERR foram detidos e mortos. No início de fevereiro, esta entidade afirmou que mais de 20 dos seus voluntários tinham sido assassinados, enquanto dezenas de outros tinham sido detidos.

Contagem dos mortos

Não há forma de saber ao certo quantos sudaneses foram mortos até agora pela guerra civil, quer em resultado de violência direta, quer por falta de tratamento médico. As estimativas oficiais apontam para dezenas de milhares de vítimas mortais, mas o enviado especial dos EUA para o Sudão, Tom Perriello, afirmou que o número pode ascender a 150.000.

Um novo estudo do Sudan Research Group, uma colaboração entre funcionários humanitários e académicos de saúde pública da London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM), calculou que 61.000 pessoas tinham morrido só na província de Cartum nos primeiros 14 meses da guerra.

Este número representa um aumento de 50% em relação às taxas registadas antes da guerra. Deste total, 26.000 foram mortas por violência direta, segundo o estudo.

Os investigadores utilizaram uma técnica chamada "análise de captura-recaptura" para chegar a esta estimativa. Este método compara dados de várias fontes. Neste caso, os investigadores utilizaram três listas elaboradas a partir das redes sociais e de inquéritos privados e públicos.

"Foi um trabalho muito difícil porque uma das caraterísticas da guerra - e de muitas guerras - é que o impacto é suposto ser silencioso", explicou Maysoon Dahab, o principal autor do estudo.

"No Sudão, antes da maior parte dos grandes ataques, a tendência é a seguinte: a Internet e a eletricidade são cortadas. Há um verdadeiro esforço para tentar dificultar a divulgação do que está a acontecer."

As visitas ao terreno eram demasiado perigosas, pelo que tudo teve de ser feito à distância, tanto no interior, como no exterior do Sudão.

Dahab, um epidemiologista da LSHTM, destacou que os resultados referentes à província de Cartum mostravam até que ponto a guerra tem sido devastadora para os civis. E isto sem contar com as estimativas das regiões mais afetadas, incluindo Darfur e Kordofan.

"Pensamos que Cartum - por muito má que seja - é provavelmente muito melhor do que outros lugares", disse ainda o investigador.

"Todas as vidas sudanesas são importantes"

Aljaili Ahmed, um dos colegas de Dahab no inquérito da LSHTM, explicou que o seu trabalho mostra ao mundo a gravidade da situação no Sudão.

"O que tentámos fazer foi documentar o que está a acontecer. Assim, as pessoas não têm forma de dizer: 'Não sabíamos que era assim tão mau'. Vocês sabiam. Nós demo-vos a informação."

Falando como cidadão sudanês, Ahmed, que agora vive no estrangeiro, também refletiu sobre as esperanças do seu povo relativamente a um governo civil após a destituição de al-Bashir em 2019.

"Tínhamos muita esperança depois da revolução. Pensámos que as coisas iam mudar para melhor", referiu, notando ainda: "Queríamos reconstruir um Sudão justo, pacífico e diversificado. E, de repente, porque ambas as partes [as RSF e as SAF] queriam tomar o poder, a guerra começou."

"Há um esforço real para tentar dificultar a divulgação do que está a acontecer.”
Maysoon Dahab

Embora não veja a paz a chegar em breve, Ahmed disse que os civis têm de ser envolvidos nas negociações mais tarde. "Não deviam ser os exércitos a negociar uns com os outros. Porque a linguagem que usam e as soluções que têm só vão repetir esta situação atual vezes sem conta."

Omamah Abbas, que trabalhou no estudo da LSHTM a partir de Cartum antes de fugir do Sudão no início deste ano, viu a morte e a destruição em primeira mão.

"Do meu quarto em Cartum, assisti a enterros quase todos os dias através da minha janela. Eram de pessoas que foram mortas por projéteis ou balas perdidas", contou.

"Enquanto ouvia tiros e disparos, ficava no meu portátil a apontar os nomes dos mortos. Também me perguntava se um dia faria parte dessa lista. Sempre que registava uma morte, pensava: 'Como é que eu vou morrer? Será de um projétil, de uma bala perdida ou de outra coisa qualquer?'".

Era difícil para Abbas conseguir um sinal suficientemente forte. Tinha de subir ao telhado do seu prédio e esperar o tempo necessário para enviar os resultados. Dada a guerra que se desenrolava lá fora, isso implicava um risco, mas Abbas sentiu-se motivada por todas as pessoas que tinham morrido - por todos aqueles que, como ela diz, em tempos "tinham sonhos, esperanças e planos para o futuro".

"Cada vida sudanesa é importante. Queríamos mostrar ao mundo o efeito desta guerra terrível para nós. Queremos recordar todas as vidas perdidas."

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