A França considera a mina crucial tanto para a sua transição ecológica como para a soberania nacional.
Um projeto de lítio no valor de mil milhões de euros, que deverá tornar-se a maior exploração mineira de França em décadas, está a provocar um aceso debate local.
Cinco meses de discussões públicas em Allier - um antigo coração industrial na região de Auvergne-Rhône-Alpes - mostram a divisão da população local relativamente ao projeto.
Durante 42 eventos organizados pela Comissão Nacional para o Debate Público (CNDP), os residentes manifestaram as suas preocupações relativamente a questões como a potencial contaminação da água, o elevado consumo de energia e os produtos químicos utilizados no processo de extração e transformação dos materiais.
Alguns também questionaram a necessidade do projeto, através do qual a empresa mineira sa Imerys pretende fornecer lítio suficiente para produzir baterias para mais de 660 000 veículos elétricos por ano a partir de 2028.
"Ainda há muitas perguntas sem resposta", afirmou Jean-Michel Bricard, 62 anos, residente em Montluçon, uma das várias zonas afectadas pelo projeto.
Graças ao contributo de mais de 3600 participantes, "a Imerys não poderá fazer o que quiser", acrescentou na apresentação dos resultados do debate, na semana ada. "O projeto terá de se manter dentro dos limites".
Numa tentativa de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a UE planeia proibir a venda de novos carros a combustão até 2035 e convencer os seus cidadãos a tornarem-se eléctricos. Esta decisão fez com que o bloco se concentrasse no lítio, um componente-chave das baterias dos carros eléctricos e um mineral crítico do qual a Europa depende quase totalmente da China.
Para aumentar a extração nacional de lítio, as empresas estão a planear a abertura de novas minas em países como a Alemanha, a Áustria e Portugal - que é o único produtor significativo até à data.
No entanto, têm-se verificado reticências significativas em todo o continente - sobretudo na Sérvia, onde milhares de pessoas saíram à rua este verão depois de o governo ter concordado em abastecer a UE através de um novo projeto de lítio.
Porque é que o lítio é importante para as indústrias sas?
Ao obter um maior controlo sobre a cadeia de abastecimento, a exploração dos seus próprios recursos de lítio na região de Allier poderá tornar menos arriscadas para a França estas tensões no estrangeiro.
Mas a opinião pública sa ainda não chegou a um consenso claro sobre a questão da exploração mineira.
"Para alguns, há esperança no emprego e na distribuição da riqueza. Mas outros receiam que o ambiente seja protegido a longo prazo", afirma Marc Papinutti, 65 anos, presidente do CNDP. "A boa surpresa é que todos os debates interessaram o público", acrescentou.
O sítio de Beauvoir, em Échassières, foi anteriormente explorado para extrair o mineral caulino, utilizado em loiça e azulejos. Neste local, a Imerys planeia extrair granito do subsolo e isolar a mica rica em lítio.
Os minerais seriam então carregados em comboios nas proximidades e enviados quase cinquenta quilómetros para Saint-Victor, na zona de Montluçon, onde a empresa planeia extrair o lítio numa fábrica de conversão.
Mas antes que qualquer uma destas medidas possa ser posta em prática, a Imerys, o operador da rede eléctrica RTE e o governo devem responder a uma longa lista de recomendações até ao final do ano.
A lista inclui tudo, desde "Especificar as medidas tomadas para cumprir os objetivos europeus de reciclagem de pilhas" até "Discutir a possibilidade de envolver os cidadãos nos benefícios do projeto".
Os habitantes locais também pediram estudos sobre mais de uma dúzia de potenciais impactos da mina em aspectos como a qualidade do ar, a segurança do armazenamento de resíduos no subsolo e o turismo na região.
"Espero que a Imerys e a RTE se esforcem por responder rapidamente a estas questões e tenham em conta os desejos e as exigências das pessoas", declarou Antoine Buscaglia, 24 anos, cujos pais vivem em Saint-Victor.
É difícil ter confiança", acrescenta, tendo em conta as críticas contra outros projectos mineiros da Imerys no estrangeiro.
Em declarações à Euronews, a Imerys elogiou as discussões durante o debate e falou de um "objetivo comum... responder aos desafios da transição ecológica de amanhã da forma mais responsável e exemplar". A empresa vai agora "tomar nota das conclusões".
Um "projeto de grande interesse nacional
Apesar das dúvidas locais, o governo francês já tomou medidas para acelerar o projeto. Em julho, classificou os planos como um "Projet d'Intérêt National Majeur" - um projeto de grande interesse nacional.
Este rótulo permite à Imerys obter uma aprovação istrativa mais rápida, uma vez que a França considera o projeto importante para a transição ecológica ou para a soberania nacional. Ou, no caso do lítio: ambos.
A instituição nacional de estudos geológicos diz esperar que a maior parte do potencial de lítio do país se encontre em Beauvoir.
A sua extração poderia constituir uma vantagem competitiva para a indústria automóvel do país e colocá-la no caminho certo para cumprir o objetivo do Presidente Macron de produzir dois milhões de veículos eléctricos e híbridos até 2030.
Apesar das extensas recomendações que resultaram dos debates locais, alguns críticos estão convencidos de que o seu carácter não vinculativo não irá influenciar o apoio do governo à mina.
"Vão fazer com que pareça que já está decidido, para que não haja necessidade de as pessoas se mobilizarem", afirma Julien Hochart, 43 anos, um ativista cuja organização conseguiu impedir novas propostas de exploração de ouro no departamento limítrofe.
Agora, querem travar o lítio: "Ganhámos, por isso é natural que ajudemos os outros".