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O Reino Unido ativou o artigo 50.\u00ba do Tratado da Uni\u00e3o Europeia em mar\u00e7o de 2017, nove meses ap\u00f3s os eleitores brit\u00e2nicos validarem o div\u00f3rcio do bloco comunit\u00e1rio. Iniciou-se uma tumultuosa contagem decrescente de negocia\u00e7\u00f5es de dois anos que teve um efeito arrepiante nas rela\u00e7\u00f5es UE-Reino Unido, com muitas quest\u00f5es importantes ainda sem solu\u00e7\u00e3o \u00e0 vista. Mas o \u0022Brexit\u0022 n\u00e3o foi a \u00fanica grande mudan\u00e7a pol\u00edtica vivida no bloco durante a d\u00e9cada de 2010. Este per\u00edodo tamb\u00e9m foi caracterizado pela ascens\u00e3o e pelo fortalecimento de partidos populistas de direita que propagaram a ret\u00f3rica anti europeia. Regra da unanimidade tolhe Bruxelas Entre esses partidos est\u00e3o o Fidesz, da Hungria, e o partido Lei e Justi\u00e7a (PiS), da Pol\u00f3nia, que foram repetidamente arrastados para os tribunais por Bruxelas, por causa de reformas que fizeram para restringir a independ\u00eancia do poder judicial, bem como dos meios de comunica\u00e7\u00e3o social, da sociedade civil, a par dos direitos dos migrantes, mulheres e minorias. O Tribunal de Justi\u00e7a da Uni\u00e3o Europeia ficou, invariavelmente, do lado da Comiss\u00e3o Europeia, que tem o papel de ser guardi\u00e3 dos tratados e das leis comunit\u00e1rias. Mas no terreno pouco mudou. A Comiss\u00e3o Europeia iniciou o procedimento contra a Pol\u00f3nia ao abrigo do artigo 7.\u00ba do Tratado da Uni\u00e3o Europeia (para responsabilizar os governos que tomam a\u00e7\u00f5es que amea\u00e7am o Estado de direito) em 2017. J\u00e1 em setembro de 2018, os eurodeputados fizeram o mesmo contra a Hungria. 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Na pr\u00e1tica, permite que os fundos comunit\u00e1rios destinados a determinados Estados-membros sejam retidos em caso de retrocesso no Estado de direito. A presidente da Comiss\u00e3o Europeia, Ursula von der Leyen, j\u00e1 disse que espera que o mecanismo seja acionado contra a Hungria em breve. No entanto, n\u00e3o est\u00e1 claro que crit\u00e9rios ser\u00e3o usados \u200b\u200bnem quantos fundos podem ser retidos, porque o mecanismo foi dilu\u00eddo da proposta inicial, uma vez que a Hungria e a Pol\u00f3nia amea\u00e7aram vetar o or\u00e7amento da UE por causa disso. \u0022A Uni\u00e3o Europeia ter\u00e1 de dizer: n\u00e3o\u0022 Al\u00e9m disso, as autoridades dos dois pa\u00edses fizeram refer\u00eancias veladas a um poss\u00edvel \u0022Polexit\u0022 (sa\u00edda da Pol\u00f3nia da Uni\u00e3o Europeia) ou \u0022Huxit\u0022 (sa\u00edda da Hungria da Uni\u00e3o Europeia) numa tentativa de aumentar a press\u00e3o sobre o bloco, ainda a sofrer com o impacto que o div\u00f3rcio com o Reino Unido teve e continua a ter. No entanto, tais eventualidades s\u00e3o improv\u00e1veis. \u201cToda a opera\u00e7\u00e3o do regime de Orb\u00e1n \u2013 que se baseia na corrup\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica e no abuso de fundos da Uni\u00e3o Europeia \u2013 assenta num sistema pol\u00edtico que n\u00e3o funciona fora da UE\u201d, disse \u00e0 Euronews Daniel Hegedus, investigador do think tank German Marshall Fund dos EUA. Zsolt Enyedi, professor e investigador do Instituto de Democracia da Universidade Centro-Europeia, concordou: \u201cN\u00e3o acho que Orb\u00e1n deixar\u00e1 voluntariamente a UE principalmente por raz\u00f5es financeiras.\u201d \u201cMas penso que ele pode criar uma situa\u00e7\u00e3o em que a UE n\u00e3o ter\u00e1 escolha a n\u00e3o ser expulsar a Hungria\u201d, acrescentou. \u201cMuitas das ag\u00eancias de nota\u00e7\u00e3o que monitorizam a qualidade da democracia consideram a Hungria uma n\u00e3o democracia e fazem isso por causa de v\u00e1rios fatos no terreno.\u201d \u201cSe Orb\u00e1n continuar por esse caminho, chegar\u00e1 um ponto em que ser\u00e1 descaradamente \u00f3bvio que temos um regime ao estilo de Vladimir Putin \u2013 embora n\u00e3o violento, mas em termos de ideologia e de mentalidade \u2013 dentro da UE e ent\u00e3o a UE ter\u00e1 de dizer n\u00e3o a isso\u201d, insistiu Enyedi. \u0022Muita ingenuidade\u0022 No entanto, n\u00e3o existe tal cl\u00e1usula ou artigo nos tratados porque \u0022a UE se baseia no Estado de direito e na presun\u00e7\u00e3o de que todos os Estados-membros cumprem os principais componentes\u0022, sublinhou Adam Lazowski, professor de direito da Uni\u00e3o Europeia na Universidade de Westminster. \u0022Foi muita ingenuidade acreditar que a pol\u00edtica de pr\u00e9-ades\u00e3o pode fazer milagres e que depois as reformas s\u00e3o definitivas. Mas, como testemunh\u00e1mos na Hungria, e especialmente na Pol\u00f3nia, as coisas podem-se desenrolar muito, muito rapidamente\u0022, referiu. Concretamente, se Bruxelas quisesse seguir esse caminho, provavelmente precisaria exigir uma revis\u00e3o formal do tratado para adicionar tal procedimento. O Artigo 50.\u00ba, por exemplo, foi incorporado no Tratado de Lisboa, que foi adotado em 2007, e entrou em vigor em dezembro de 2009. O trabalho para a revis\u00e3o do tratado come\u00e7ou em 2001. Uma vez revisto, o tratado teria de ser apoiado por unanimidade pelos Estados-membros, o que os governos na mira da UE sem d\u00favida rejeitariam de qualquer maneira. \u201cFoi realmente ing\u00e9nuo n\u00e3o incluir um procedimento como temos no Conselho da Europa \u2013 o artigo 8 .\u00ba \u00a0do Estatuto do Conselho da Europa, que permitiu expulsar a R\u00fassia no espa\u00e7o de um m\u00eas ou menos de um m\u00eas a partir da invas\u00e3o\u201d, lembrou Lazowski. O que \u00e9 que os eleitores querem? Em \u00faltima an\u00e1lise, para Bruxelas, o melhor cen\u00e1rio seria os eleitores chutarem esses governos, elegendo mais pol\u00edticos liberais pr\u00f3-UE, evitando assim a necessidade de expulsar os Estados-membros. O an\u00fancio de Von der Leyen sobre o acionamento do mecanismo de Estado de Direito contra a Hungria veio dois dias ap\u00f3s a realiza\u00e7\u00e3o de elei\u00e7\u00f5es no pa\u00eds, sugerindo que Bruxelas poderia esperar um resultado diferente que anularia a necessidade de lan\u00e7ar medidas punitivas. No entanto, embora a Hungria e a Pol\u00f3nia tenham provado que o desmantelamento das salvaguardas do Estado de direito pode ser feito \u00e0 velocidade da luz, o inverso n\u00e3o \u00e9 necessariamente verdadeiro. No caso da Hungria, onde os partidos da oposi\u00e7\u00e3o se uniram para apresentar uma frente anti-Orb\u00e1n, quebrar o legado do Fidesz provavelmente ser\u00e1 dif\u00edcil. \u201cDurante os \u00faltimos anos, as regras e regulamentos foram alterados de tal forma que praticamente todos os decisores \u2013 aqueles que governam o poder judicial, o Minist\u00e9rio P\u00fablico, a comiss\u00e3o eleitoral, os meios de comunica\u00e7\u00e3o, o desporto, o entretenimento, as universidades e qualquer setor da vida que se possa pensar \u2013 t\u00eam gabinetes que duram oito, dez, 12 anos ou \u00e0s vezes por toda a vida\u201d, sinalizou Enyedi. \u201or isso, o novo governo n\u00e3o poder\u00e1 remover essas pessoas. Essas pessoas continuar\u00e3o a decidir o que importa\u201d e continuar\u00e3o \u201ca fazer o que Orb\u00e1n quer\u201d, sublinhou. 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A União Europeia pode expulsar Estados-membros?

Neste momento há dois Estados-membros em rota de colisão com Bruxelas: Hungria e Polónia
Neste momento há dois Estados-membros em rota de colisão com Bruxelas: Hungria e Polónia Direitos de autor Pfxuel
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De Alice Tidey
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O Estados-membros podem decidir abandonar a União Europeia, como aconteceu com o Reino Unido, mas até que ponto é que o inverso é possível?

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Os Estados-membros podem deixar a União Europeia (UE), mas será que o bloco os pode expulsar?

Nos últimos anos, Bruxelas iniciou processos punitivos contra a Polónia e a Hungria por violações do Estado de direito. Prepara-se, agora, para usar um novo mecanismo contra Budapeste, que permite reter fundos comunitários. Mas se isso não bastar para alterar a rota de colisão dos dois países, será que a União Europeia poderá, alguma vez, expulsar um Estado-membro?

A resposta curta é: Não. A resposta longa é: isso levaria anos e, provavelmente, seria um fracasso.

A razão é bastante simples: a União Europeia, simplesmente, nunca planeou essa possibilidade.

“Legalmente falando, não temos condições para expulsar um Estado-membro – ao contrário do Conselho da Europa, por exemplo, que expulsou a Rússia há algumas semanas atrás”, explicou Adam Lazowski, professor de direito da União Europeia na Universidade de Westminster, em entrevista à Euronews.

De seis para 27

A União Europeia nasceu como um projeto de paz, quando o velho continente tentava renascer das cinzas deixadas pela Segunda Guerra Mundial.

Na altura, a ideia era a de que ao criar laços económicos mais profundos entre os países, estes pensariam duas vezes em relação a conflitos futuros. Foi assim que nasceu, em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), com a Alemanha Ocidental, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo como membros fundadores.

A rápida expansão económica que se viveu na década de 1960, a queda dos regimes autocráticos em Espanha, Grécia e Portugal na década de 1970, as fortes mudanças sociais desencadeadas pelos protestos de 1968, as crises económicas como a crise do petróleo de 1973 e o colapso do comunismo transformaram o grupo de seis países numa União a 27 motivada não só por preocupações económicas, mas também por valores democráticos.

Já se aram nove anos desde o alargamento mais recente – o último país a aderir à UE foi a Croácia em 2013 – e, na verdade, desde então, a União Europeia ficou menor.

O Reino Unido ativou o artigo 50.º do Tratado da União Europeia em março de 2017, nove meses após os eleitores britânicos validarem o divórcio do bloco comunitário. Iniciou-se uma tumultuosa contagem decrescente de negociações de dois anos que teve um efeito arrepiante nas relações UE-Reino Unido, com muitas questões importantes ainda sem solução à vista.

Mas o "Brexit" não foi a única grande mudança política vivida no bloco durante a década de 2010. Este período também foi caracterizado pela ascensão e pelo fortalecimento de partidos populistas de direita que propagaram a retórica anti europeia.

Regra da unanimidade tolhe Bruxelas

Entre esses partidos estão o Fidesz, da Hungria, e o partido Lei e Justiça (PiS), da Polónia, que foram repetidamente arrastados para os tribunais por Bruxelas, por causa de reformas que fizeram para restringir a independência do poder judicial, bem como dos meios de comunicação social, da sociedade civil, a par dos direitos dos migrantes, mulheres e minorias.

O Tribunal de Justiça da União Europeia ficou, invariavelmente, do lado da Comissão Europeia, que tem o papel de ser guardiã dos tratados e das leis comunitárias. Mas no terreno pouco mudou.

A Comissão Europeia iniciou o procedimento contra a Polónia ao abrigo do artigo 7.º do Tratado da União Europeia (para responsabilizar os governos que tomam ações que ameaçam o Estado de direito) em 2017. Já em setembro de 2018, os eurodeputados fizeram o mesmo contra a Hungria.

Este procedimento – muitas vezes referido como a “opção nuclear” – abre a porta a medidas punitivas, incluindo a suspensão dos direitos de voto ao nível do Conselho.

Mas está parado. O problema é que avançar requer uma votação unânime dos líderes e como Viktor Orbán confirmou após a sua reeleição para um quarto mandato consecutivo, “com os polacos, temos uma aliança defensiva mútua.”

“Não permitiremos, um ao outro, a exclusão da tomada de decisões europeias”, acrescentou o primeiro-ministro húngaro.

Exasperados, os eurodeputados fizeram pressão para a criação de outro instrumento punitivo, o que levou à criação do mecanismo de condicionalidade do Estado de direito, que acabaria por ser, finalmente, validado em fevereiro de 2022 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Na prática, permite que os fundos comunitários destinados a determinados Estados-membros sejam retidos em caso de retrocesso no Estado de direito.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já disse que espera que o mecanismo seja acionado contra a Hungria em breve.

No entanto, não está claro que critérios serão usados ​​nem quantos fundos podem ser retidos, porque o mecanismo foi diluído da proposta inicial, uma vez que a Hungria e a Polónia ameaçaram vetar o orçamento da UE por causa disso.

"A União Europeia terá de dizer: não"

Além disso, as autoridades dos dois países fizeram referências veladas a um possível "Polexit" (saída da Polónia da União Europeia) ou "Huxit" (saída da Hungria da União Europeia) numa tentativa de aumentar a pressão sobre o bloco, ainda a sofrer com o impacto que o divórcio com o Reino Unido teve e continua a ter.

No entanto, tais eventualidades são improváveis.

“Toda a operação do regime de Orbán – que se baseia na corrupção estratégica e no abuso de fundos da União Europeia – assenta num sistema político que não funciona fora da UE”, disse à Euronews Daniel Hegedus, investigador do think tank German Marshall Fund dos EUA.

Zsolt Enyedi, professor e investigador do Instituto de Democracia da Universidade Centro-Europeia, concordou: “Não acho que Orbán deixará voluntariamente a UE principalmente por razões financeiras.”

“Mas penso que ele pode criar uma situação em que a UE não terá escolha a não ser expulsar a Hungria”, acrescentou. “Muitas das agências de notação que monitorizam a qualidade da democracia consideram a Hungria uma não democracia e fazem isso por causa de vários fatos no terreno.”

“Se Orbán continuar por esse caminho, chegará um ponto em que será descaradamente óbvio que temos um regime ao estilo de Vladimir Putin – embora não violento, mas em termos de ideologia e de mentalidade – dentro da UE e então a UE terá de dizer não a isso”, insistiu Enyedi.

"Muita ingenuidade"

No entanto, não existe tal cláusula ou artigo nos tratados porque "a UE se baseia no Estado de direito e na presunção de que todos os Estados-membros cumprem os principais componentes", sublinhou Adam Lazowski, professor de direito da União Europeia na Universidade de Westminster.

"Foi muita ingenuidade acreditar que a política de pré-adesão pode fazer milagres e que depois as reformas são definitivas. Mas, como testemunhámos na Hungria, e especialmente na Polónia, as coisas podem-se desenrolar muito, muito rapidamente", referiu.

Concretamente, se Bruxelas quisesse seguir esse caminho, provavelmente precisaria exigir uma revisão formal do tratado para adicionar tal procedimento.

O Artigo 50.º, por exemplo, foi incorporado no Tratado de Lisboa, que foi adotado em 2007, e entrou em vigor em dezembro de 2009. O trabalho para a revisão do tratado começou em 2001.

Uma vez revisto, o tratado teria de ser apoiado por unanimidade pelos Estados-membros, o que os governos na mira da UE sem dúvida rejeitariam de qualquer maneira.

“Foi realmente ingénuo não incluir um procedimento como temos no Conselho da Europa – o artigo 8.º do Estatuto do Conselho da Europa, que permitiu expulsar a Rússia no espaço de um mês ou menos de um mês a partir da invasão”, lembrou Lazowski.

O que é que os eleitores querem?

Em última análise, para Bruxelas, o melhor cenário seria os eleitores chutarem esses governos, elegendo mais políticos liberais pró-UE, evitando assim a necessidade de expulsar os Estados-membros.

O anúncio de Von der Leyen sobre o acionamento do mecanismo de Estado de Direito contra a Hungria veio dois dias após a realização de eleições no país, sugerindo que Bruxelas poderia esperar um resultado diferente que anularia a necessidade de lançar medidas punitivas.

No entanto, embora a Hungria e a Polónia tenham provado que o desmantelamento das salvaguardas do Estado de direito pode ser feito à velocidade da luz, o inverso não é necessariamente verdadeiro.

No caso da Hungria, onde os partidos da oposição se uniram para apresentar uma frente anti-Orbán, quebrar o legado do Fidesz provavelmente será difícil.

“Durante os últimos anos, as regras e regulamentos foram alterados de tal forma que praticamente todos os decisores – aqueles que governam o poder judicial, o Ministério Público, a comissão eleitoral, os meios de comunicação, o desporto, o entretenimento, as universidades e qualquer setor da vida que se possa pensar – têm gabinetes que duram oito, dez, 12 anos ou às vezes por toda a vida”, sinalizou Enyedi.

“Por isso, o novo governo não poderá remover essas pessoas. Essas pessoas continuarão a decidir o que importa” e continuarão “a fazer o que Orbán quer”, sublinhou.

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